Mondo #3: A economia da paixão
Uma tendência que mostra novas maneiras de ganhar dinheiro fazendo o que se gosta. Mais: cancelamento, sinais de trabalho tóxico, AI, acordo no Zoom, High Score
Ano 1 • № 3 • 03 de setembro de 2020
MAIS DE 50K UNIDADES DE ROUPAS já foram fabricadas através do Cala, um app para projetar, produzir e entregar roupas personalizadas. Professores de várias partes do mundo, inclusive do Brasil, ganham um bom dinheiro com aulas virtuais no Udemy. Criativos conseguem ganhar mais de 8k dólares/mês com conteúdo premium no Patreon. Esses fatos mostram algumas das possibilidades de uma tendência que vem ganhando força ultimamente — o surgimento de novas plataformas digitais que possibilitam que qualquer pessoa ganhe dinheiro através de suas habilidades.
É algo que já tem até um nome: a "passion economy" ("economia da paixão"). O termo, que era mais comum entre os profissionais do Vale do Silício, na Califórnia, EUA, vem se popularizando como conceito. Já existe até livro a respeito, além de podcast e de pensadores/autores, como Li Jin, uma angel investor na Andreessen Horowitz que busca explicá-lo cada vez mais no Twitter.
A "passion economy" é a monetização (de forma mais direta, ganhar dinheiro) a partir de uma combinação única de interesses e habilidades específicas que são usadas para criar ofertas que sejam adequadas para certas pessoas — tipo um nicho de mercado. O atual estado de coisas no mundo mudou tudo, das mais diversas formas. Logo, tornou-se muito mais fácil criar conteúdos na web, alcançar milhares de clientes em potencial via redes sociais e compartilhar conteúdo via blogs, podcasts, webinars, newsletters (como esta! 💜), YouTube etc. Agora, junte tudo isto com a possibilidade de vender produtos digitais "feitos em casa" em uma infinidade de plataformas e temos uma combinação quase perfeita para transformar uma paixão em um negócio que gera receita.
Segundo Jin, a "passion economy" é feita de novas maneiras de capitalizar em cima da criatividade:
Os usuários agora podem construir públicos em grande escala e transformar suas paixões em meios de subsistência, seja jogando videogame ou produzindo conteúdo de vídeo. Isso tem enormes implicações para o empreendedorismo e para a forma como pensamos sobre o que é um "trabalho" no futuro.
O documentário GIG - A Uberização do Trabalho, produzido pela ONG Repórter Brasil, mostrou “as entranhas” do trabalho via apps de carros e entregas, como Uber e iFood, no que é conhecido por "gig economy". Aqui, a ideia é que suas habilidades e seu trabalho são apenas parte de uma grande engrenagem onde você também ganha seu dinheiro. O Uber, por exemplo, acaba com quase qualquer traço de diferenciação entre os motoristas. É a lei da oferta e da demanda, cujo principal atrativo é o dinheiro ganho ou economizado — o que, no final, é bom (em certa medida) para ambas as partes, usuários e profissionais.
Já as novas plataformas da "passion economy" propiciam um espaço na web para que criadores possam viver de suas próprias habilidades, construam relacionamentos com os clientes, encontrem apoio no crescimento de seus negócios e ferramentas próprias para se diferenciar da concorrência. No processo, tais plataformas ainda promovem um novo modelo de empreendedorismo baseado apenas na internet.
A ideia de fazer o que se gosta como forma de ganhar dinheiro na web nem é nova, vide os e-commerces de todos os tipos surgidos nos últimos anos. De certa forma, evidenciam essa ideia, mas a "passion economy" está relacionada a plataformas — ou SaaS, "Software as a Service" — focadas exclusivamente na comercialização online de certas habilidades, seja escrita, produção de vídeo, áudio, aulas etc, sem produtos físicos. Vale ressaltar que uma plataforma criada especificamente para a criação e venda de produtos digitais é bastante diferente de uma plataforma criada para produtos físicos. Ou seja, é o extremo oposto de grandes sites como Wix ou Shopify, nos quais é preciso certa dose de customização para adaptá-los para a venda de produtos digitais. Nas plataformas dessa nova economia, vale a sua individualidade, a sua habilidade como um ativo intangível que leva a uma diferenciação e a possibilidade de monetização de maneira independente e simples desde o primeiro login.
Para Adam Davidson, autor do livro The Passion Economy, é um novo tipo de atividade econômica que nunca existiu antes, sendo o resultado da tecnologia da informação e das redes de comunicação junto ao comércio global:
Podemos oferecer nossos produtos e serviços exclusivos (mesmo que) estranhos, mas que serão exatamente certos para algumas pessoas e totalmente errados para outras. E podemos encontrar nossa aldeia, nossa comunidade, mesmo que estejam espalhadas por todo o globo.
A crise da COVID-19 acabou por acelerar o uso da internet e das relações digitais entre as pessoas. Ao mesmo tempo, quase 8 milhões de brasileiros ficaram sem emprego. Assim, criadores, marcas, consumidores e empresas de todos os níveis praticamente se conscientizaram de que é vital estabelecer comunidades independentes online, cada uma em seu próprio nicho, em busca de novas maneiras de gerar receita por meio de plataformas digitais.
De acordo com Li Jin:
As novas plataformas capitalizam a ideia de que a expertise tem valor econômico além do de um público em local físico. Para os clientes, o benefício é o acesso a um serviço que, de outra forma, seria caro ou inacessível.
Eu observo essa “economia da paixão” como um movimento que já vem se firmando há alguns anos. Sigo o trabalho de ilustradores, designers, DJs, escritores/autores e outros criativos e, boa parte deles, já nem aceita mais trabalhos de agências ou freelas (meu sonho de consumo e pelo qual estou trabalhando 😌). Muitos se dedicam a seus projetos autoiniciados e suas marcas pessoais (pela quais vendem produtos em e-commerces próprios). Alguns ainda fazem apenas projetos especiais para grandes empresas — também pela visibilidade, não só pela grana. Só que todos já se movimentam, de uma maneira ou de outra, nesse fluxo da “passion economy”. Isto é, de viver profissionalmente de seus projetos, sem ter que prestar contas a ninguém.
Portanto, se você tem alguma habilidade, seja essa qual for, o momento parece ser bastante apropriado para se beneficiar dela. É sério: pensa no que você pode/sabe fazer e usa a internet para espalhar a ideia. Tenha em mente, óbvio!, que não é assim tão simples, nem acontece da noite pro dia, como muitos possam fazer parecer nos feeds do Instagram. Qualquer novo projeto requer trabalho sério a cada dia, paciência, determinação, estudo, disciplina e, acima de tudo, uma entrega muito bem feita e bem acabada. Um trabalho de nível profissional, de fato, com a diferença que será organizado e controlado por você.
Os sinais estão todos por aí e, ao que parece, a "passion economy" veio para ficar e boa parte do mundo está funcionando e vai funcionar desta nova maneira. Dentro do possível, o quanto antes você se preparar e embarcar na onda, melhor. ■
Mix
O que andei lendo nos últimos dias: O que você faz se seu artista favorito foi cancelado? Uma boa reflexão no Lifehacker sobre uma prática tão abominável dessa nova realidade que vivemos. Você, aliás, já pensou sobre isso? @@ Na Época Negócios, um pequeno texto que conta como alguns empreendedores tiveram que se reinventar em momentos de crise, no curso da história. @@ Seu gerente ou outros líderes são manipuladores? Pode ser que você trabalhe num ambiente tóxico, mesmo em home office, segundo a lista da Forbes. @@ A Forbes também mostra como as plataformas de streaming ganharam mais relevância com o isolamento social. @@ Multitarefa não é algo produtivo, respeitoso ou saudável, de acordo com Seth Godin em "Rumo a um acordo para o Zoom", no Seth's Blog. @@ No Globo, uma matéria sobre como a Universal Pictures criou protocolos de segurança para prosseguir com as filmagens do novo Jurassic Park. @@ Demorou, mas já tem um novo sistema de AI ("Inteligência Artificial" na sigla em inglês) que consegue escrever e entender a linguagem como os humanos, segundo o Wall Street Journal. @@ Uma live no G1 com Ronaldo Lemos e Bia Granja sobre o futuro dos influenciadores digitais: felizmente, os picaretas das vidas perfeitas nas redes sociais podem estar com os dias contados. Eu ouvi Amém?! @@ A bela Carta ao Rei T’Challa no Globo, da escritora Eliana Alves Cruz para o ator Chadwick Boseman, que se foi, cedo demais, semana passada. RIP. @@ Os anos 90 estão de volta (de novo, oba!) na Veja, que tenta analisar os motivos. Adorei! @@ Use máscara! Alexandre Bobeda
Play
O que vi, ouvi e curti ultimamente:
High Score, um excelente doc em 6 eps. no Netflix que conta a origem dos video games. A produção é ótima, mas o melhor é saber como surgiram jogos icônicos pra entender que a inspiração pode estar em qualquer lugar.
Também do Netflix, um mini doc (16 min.), John Was Trying to Contact Aliens. Mais do que o contato com alienígenas através de músicas de Kraftwerk e Tangerine Dream, é uma surpreendente e adorável história de amor. Veja sem preconceitos.
Tá com tempo? Então vai brincar com o Dino Swords, uma versão hardcore daquele game do dinossauro no Chrome, quando fica offline.
Identical, da adorável banda francesa Phoenix.
A ótima entrevista do Miguel Falabella na CNN: um cara inteligente e esclarecedor.
Exploding Topics, para buscar por tendências "antes que elas decolem", segundo o próprio site.
Coloquei na minha “to-do list” o curso gratuito da Disney na Khan Academy, o Imagineering in a Box. É sobre o trabalho de artistas, designers e engenheiros para criar parques temáticos. Não que eu queira criar um, mas pelo programa, parece um bom exercício de criatividade e storytelling. E sempre tem aprendizado, claro!
Write Your Story é um curta brasileiro com a atriz Isabelle Drummond. Ela interpreta Elle, a funcionária de uma megacorporação que busca a sua liberdade. Sugestivo para os dias de hoje, não acha? Produção caprichadíssima, climática, com um visual lindo. Aí pergunto a você: se tem gente tão qualificada aqui para produzir algo nesse nível, por que diabos só querem levar pra festivais filmes que tratam da nossa miséria, tanto moral quanto social?
Olha Isso
A bela capa da edição de agosto da Rolling Stone. É visualmente perfeita: deixa em evidência, bem no centro, o assunto principal (Beatles) e cria uma hierarquia correta para o texto na parte de baixo (a frase para a matéria acima do título é um chamariz para um tema atual). Além disso, foge totalmente do que vinha sendo o padrão de capas da RS, já que praticamente só expõe um assunto e a foto não foi feita em estúdio, com o artista no centro em fundo neutro. Curti!
GIFInspiração
Ah, meu Rio de Janeiro…
Tem carioca que não se sinta assim, neste momento?
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Créditos das imagens: [Texto principal: Stockphoto; Freepik (customizado); Li Jin; Giphy | Mix: O Globo | Olha Isso: Rolling Stone/Apple Corps | GIFInspiração: Giphy]
Mondo é um produto do estúdio House Of X.